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NOTÍCIA | Os equívocos do emprego no turismo


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“Afinal, se estamos perante uma atividade em franco crescimento, não seria natural que os jovens a vissem como uma oportunidade promissora para construir o seu futuro profissional? Pelos vistos, não é o que está a acontecer"

O turismo é sem dúvida um dos motores da economia portuguesa e os dados estatísticos divulgados mês após mês confirmam essa importância, numa sociedade cada vez mais moderna e adaptada às novas realidades. Nos últimos 50 anos, o turismo foi a alavanca que necessitámos para a conquista dos tempos de lazer, de liberdade e de democracia e, apesar do défice de orientações estratégicas, foi conquistando um papel central, expresso através dos seus resultados na economia e na sociedade.

Este crescimento, alicerçado na criação de emprego e na revitalização das múltiplas atividades que dão vida à constelação turística, contrasta, nos últimos anos, com a tímida adesão dos jovens aos cursos superiores na área, revelando um paradoxo intrigante na atividade.

Apesar do turismo continuar a ser uma área atrativa para muitos jovens em Portugal, os últimos dados estatísticos apontam para um decréscimo no número de matriculados nos cursos superiores. Segundo o Turismo de Portugal, em 2023 estavam matriculados no Ensino Superior 9,7 mil alunos (-10,3% tvh 2022), refletindo um desalinhamento preocupante entre a crescente competitividade da atividade turística e o interesse dos jovens em construir uma carreira nesta área. Existem possíveis razões para este decréscimo, relacionadas com a perceção das condições de trabalho pouco atrativas na atividade, como os baixos salários em termos reais, a falta de uma concreta descrição das funções e das categorias profissionais, a inexistência de uma carreira profissional, a sazonalidade e horários exigentes, que podem desencorajar os jovens a apostar numa formação académica em áreas relacionadas com o turismo. Além disso, a falta de visibilidade de percursos profissionais mais diversificados e de oportunidades de ascensão na atividade podem contribuir para o afastamento dos estudantes.

Afinal, se estamos perante uma atividade em franco crescimento, não seria natural que os jovens a vissem como uma oportunidade promissora para construir o seu futuro profissional? Pelos vistos, não é o que está a acontecer.

Mas será que os jovens conhecem realmente as inúmeras profissões que o turismo oferece? Ou continuam a associá-lo apenas a tarefas como arrumar camas ou servir à mesa? Esta visão limitada ainda prevalece entre muitos, ignorando que, embora a hotelaria e a restauração sejam pilares essenciais para o sucesso turístico de um país, a atividade turística vai muito além delas, oferecendo um universo de oportunidades laborais diversificadas e inspiradoras.

Se perguntarmos aos nossos filhos que seguem rumo ao ensino superior se imaginam iniciar uma carreira a desempenhar aquelas funções, a resposta será quase sempre previsível. Mas é preciso desfazer este equívoco: as profissões do turismo e da hospitalidade vão muito além disso. Há um mundo fascinante a explorar dentro dos Hotéis (para além de fazer camas e servir à mesa), nas Agências de Viagens, nos Operadores Turísticos, na organização de Eventos, no trabalho de Guias-Intérpretes, na gestão do Património, marketing digital e desenvolvimento de estratégias globais, ou mesmo na criação de conteúdos digitais para plataformas turísticas – apenas para citar alguns exemplos de referência.

Provavelmente, o primeiro passo para valorizar as profissões do turismo passa pela identificação abrangente das suas múltiplas áreas de atuação e pela definição de estratégias de comunicação mais eficazes, capazes de reforçar a imagem e o branding da atividade. Contudo, persistem exemplos que perpetuam estereótipos equivocados. Documentos estratégicos nacionais, como a “Agenda. Profissões do Turismo 2023-2026”, apresentam na capa a imagem de alguém usando um avental – uma representação que não reflete a diversidade e sofisticação das carreiras turísticas. E o problema não para por aí: até mesmo o último documento apresentado pela tutela, a “Estratégia Turismo 2035”, de 6 de janeiro de 2025, recorre ao mesmo símbolo. Essas escolhas visuais subestimam o potencial do setor e reforçam equívocos sobre as oportunidades de emprego no turismo. Por oposição, a maioria dos documentos estratégicos internacionais de turismo tende a utilizar imagens que destacam destinos turísticos, paisagens culturais ou naturais, procurando inspirar e atrair o interesse pela atividade.

Por outro lado, quando precisamos de consultar dados estatísticos, por exemplo, para a realização de um trabalho, deparamo-nos, na maioria das vezes, apenas com informações relacionadas ao alojamento, à restauração e áreas similares. Mas porquê esta limitação? E os dados que representam o restante da atividade turística? Onde estão? Tome-se como exemplo a tentativa de compreender a média dos vencimentos no turismo: os dados disponíveis referem-se quase exclusivamente à hotelaria, restauração e similares, e ainda revelam salários significativamente mais baixos (1.068€) em comparação com a média nacional, que é de 1.510€ (Turismo de Portugal, 2024). Este cenário não só reduz a perceção do valor do turismo como atividade, mas também perpetua ideias enviesadas sobre o seu verdadeiro impacto económico.

É, portanto, o momento de traçar uma estratégia que promova a valorização das profissões do turismo e o seu reconhecimento social em Portugal. Apenas assim será possível superar o desalinhamento entre o crescimento desta atividade e o reduzido interesse dos jovens em apostar na sua formação na área.

Por Mafalda Patuleia
Diretora do Departamento de Turismo da Universidade Lusófona
Investigadora no Intrepid Lab| CETRAD| Universidade Lusófona